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4 de novembro de 2015

As Boas Heranças da Reforma Protestante

O mês de outubro é celebrado por grande parte do evangelicalismo como o mês da Reforma Protestante. Foi no dia 31 de outubro de 1517 que o monge agostiniano Martinho Lutero fixou suas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittemberg, acendendo o estopim de um movimento que abalaria os pilares da igreja medieval e mudaria o curso da história da Europa e do mundo.


Há muito que se dizer sobre a Reforma do século 16. Pode-se discorrer sobre sua exata definição, suas diversas causas, suas ênfases principais, seus erros e acertos, seus personagens de maior destaque... Enfim, trata-se de uma matéria extensa demais, que requer muito tempo de leitura do estudioso que deseja compreendê-la de forma mais abrangente, livre de enaltecimentos ingênuos e de críticas infundadas.


Sendo assim um tema tão vasto, quero abordar aqui apenas alguns elementos  que podemos considerar verdadeiras heranças da Reforma. Tenho em mente três desses elementos e quero mencioná-los a fim de encorajar sua preservação numa época em que a igreja protestante se parece muito com a igreja católica corrompida contra a qual Martinho Lutero se insurgiu no seu tempo.


A primeira herança que a Reforma deixou para as gerações posteriores de verdadeiros cristãos foi uma renovada visão da Escritura como fonte última de autoridade. Essa noção está implícita na expressão Sola Scriptura, que indica que somente a Bíblia é autoridade em matéria de doutrina e prática cristãs.


Ao tempo de Lutero, a Igreja Católica entendia que o clero, encabeçado pelo pontífice romano, se constituía na suprema autoridade sobre o rebanho de Cristo. Essa concepção, somada à autoridade que atribuíam à tradição (colocando-a em pé de igualdade com a Bíblia) e a um método de interpretação tendencioso (o método alegórico), justificava todos os desmandos possíveis cometidos pela igreja medieval, desde o assassinato de milhares de pessoas (como fez a Inquisição) até a exploração econômica dos pobres (como fez a venda de indulgências). Com o resgate da Escritura como autoridade final, nações inteiras de desvincularam do romanismo, dando um importante passo no rumo do livramento do homem das mãos da tirania.


A segunda herança deixada pela Reforma foi a restauração da doutrina da justificação pela graça mediante a fé somente (sola gratia e sola fide). Lutero tinha sido um católico extremamente zeloso. Os católicos de hoje (incluindo o papa!) não chegam nem perto dele em termos do modo vívido e apaixonado como ele encarnou cada doutrina católica. Na verdade, dificilmente será possível encontrar na história eclesiástica um personagem que observou com tanta seriedade os preceitos do catolicismo romano. Uma vez que o romanismo ensinava a salvação pela justiça infusa (adquirida pela pessoa ao longo da vida), Lutero se submeteu a todos os tipos de macerações e torturas impostas pela igreja a fim de alcançar o perdão de Deus.


Lutero jejuava por dias a fio, passava noites e mais noites em vigília. Orava, clamava, chorava, frequentava o confessionário assiduamente, açoitava-se até perder as forças. Muitas vezes seus colegas de mosteiro tinham de arrombar a porta de sua cela para socorrê-lo por causa dos desmaios que tinha sob as torturas que se autoimpunha. Um dia, porém, ele descobriu, pela leitura de Romanos 1.17, que o homem é justificado pela fé e não por seu esforço próprio. Foi assim que Lutero foi liberto do desespero e da escravidão, passando a anunciar essa verdade ao mundo. Com efeito, a doutrina da justificação pela fé somente foi, provavelmente, a principal bandeira do protestantismo.


Finalmente, a Reforma Protestante nos legou uma correção no conceito renascentista e escolástico do termo “igreja”. Para os teólogos medievais, a igreja era o clero, uma elite religiosa que se posicionava entre Deus e os homens comuns. O advento da Reforma destruiu essa ideia e resgatou a verdade do sacerdócio de todos os crentes (1Pe 2.9). A partir daí, o cristão comum passou a ser visto como alguém que podia ter acesso direto a Deus por meio de Jesus Cristo, não precisando mais da hierarquia eclesiástica para se achegar ao Pai em contrição ou com o desejo de lhe ofertar sacrifícios de adoração. Essa visão de cada crente como um sacerdote valorizou o indivíduo, dando-lhe dignidade e importância dentro da igreja de Deus e destruiu a maliciosa visão dos padres e bispos como pessoas espiritualmente superiores às demais. Não foi à toa que a Igreja Católica nutriu (e ainda nutre!) um ódio tão grande contra todos reformadores.


Eis aí três importantes heranças da Reforma Protestante. Infelizmente, os crentes de hoje têm falhado em preservar cada uma delas. De fato, a autoridade bíblica tem sido abandonada por meio de uma hermenêutica que distorce o texto sagrado segundo os interesses do leitor. A doutrina da justificação pela fé, por sua vez, tem sido atacada por uma forma caricaturizada de arminianismo que afirma que o homem tem de “fazer a sua parte”. Já a doutrina do sacerdócio de todos os crentes é nublada pela aparição de líderes superespirituais — os novos apóstolos e profetas “ungidos do Senhor” — os quais se consideram infalíveis e execram todos os que ousam corrigi-los em seus chocantes desvios.


De nossa parte, ainda que meio solitários nessa tarefa, devemos manter de pé em lugar visível as boas heranças da Reforma, crendo que, por meio delas, a igreja permanecerá pura e plenamente habilitada para cumprir sua árdua missão neste mundo.

pr. marcos granconato pr. thomas tronco

3 de novembro de 2015

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