Dois Efeitos do Casamento (parte 3) escrito por 4 de novembro de 2014

Quem inventou o divórcio?


Nos tempos do Novo Testamento, os judeus abrigavam em sua mente algumas diretrizes acerca do casamento. Por exemplo, eles sabiam que, no caso de adultério, tanto o homem como a mulher envolvidos deviam ser executados (Lv 20.10 cp. Jo 8.3-11). Eles também conheciam a restrição que pesava sobre os sacerdotes que, por exercerem uma função santa, não podiam se casar com uma prostituta, nem com uma moça que não fosse virgem ou com uma mulher divorciada do seu marido (Lv 21.7).


Dentre os trechos da lei que tratavam sobre o casamento, talvez a passagem de Deuteronômio 24.1-4 fosse a que mais causasse controvérsias. Segundo esse texto, uma mulher que tivesse se divorciado e casado novamente não poderia voltar para o seu ex-consorte, nem mesmo se o seu segundo marido morresse (Dt 24.2-4).


É provável, porém, que a parte mais discutida do texto de Deuteronômio 24 fosse o versículo 1 que dizia que o marido podia dar certidão de divórcio à sua esposa caso encontrasse nela algo que não fosse do seu agrado. Como é praticamente impossível definir nessa passagem o limite exato do direito dado ao marido que quisesse se divorciar, os rabinos da época esposavam opiniões divergentes, sendo uns mais liberais, enquanto outros se mostravam bastante rigorosos em suas concepções.


No tocante a esse assunto, as escolas rabínicas mais conhecidas que se opunham entre si eram a de Hillel e a de Shammai. Stuart Weber resume muito bem a concepção dessas duas vertentes:


Em Israel, durante o primeiro século, o divórcio e o novo casamento eram temas tão polêmicos quanto são hoje. A escola de pensamento do rabino Hillel nutria visões bastante liberais sobre o assunto, admitindo o divórcio por qualquer motivo. Hillel aceitava o divórcio até no caso de uma refeição malcozida ou se o marido visse uma mulher que considerasse mais atraente. Já a escola do rabino Shammai era bem rigorosa, permitindo o divórcio somente por motivos graves, especialmente o adultério (Holman New Testament Commentary: Matthew, p. 328).


Inspirados assim, nessas discussões sobre o divórcio, os inimigos de Jesus, movidos especialmente pelo desejo de colocá-lo à prova, lhe perguntaram certa vez se era permitido ao homem se divorciar de sua mulher por qualquer motivo (Mt 19.3). A resposta do Mestre destacou então a origem sobrenatural do casamento (Gn 1.27) e a indissolubilidade implícita na expressão "uma só carne" (Gn 2.24), frisando afinal que marido e esposa não devem se separar (Mt 19.4-6).


Diante dessa reposta, os fariseus recorreram a Deuteronômio 24.1, precisamente o texto que diz que o homem pode dar certidão de divórcio à sua esposa, caso não se agrade dela. O claro objetivo deles era acusar Jesus de ensinar lições contrárias às Escrituras.


Nesse ponto, porém, Jesus enunciou uma importante verdade: Deus não criou o divórcio e, então, o inseriu na Lei, como pensavam muitos judeus da época (e ainda pensam muitas pessoas de hoje). Não! Ele havia apenas dado instruções para regulamentar uma prática desordenada inventada pelos homens por causa da dureza do seu coração (Mt 19.8).


Em seguida, Jesus acrescentou: “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, exceto no caso de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério” (Mt 19.9). Como se vê, a concepção de Jesus acerca do divórcio é bem rigorosa, permitindo que alguém recorra a esse expediente somente em caso de “relações sexuais ilícitas”.


No aspecto referente à possibilidade do divórcio, o ensino de Jesus é, de fato, bastante claro. O problema que se levanta em face de Mateus 19.9 é que a expressão “exceto no caso de relações sexuais ilícitas” (a chamada cláusula de exceção) parece aceitar a possibilidade não só do divórcio, mas também do novo casamento, pelo menos para a parte que foi vítima da infidelidade do seu cônjuge. Seria esse mesmo o caso?


(Continua)



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pr. marcos granconato

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