Dois Efeitos do Casamento (Final) escrito por 11 de novembro de 2014

A cláusula de exceção


Foi dito na pastoral anterior que o texto de Mateus 19.9 parece abrir uma exceção para o recasamento quando a causa da separação do casal for a infidelidade.


Essa impressão que o texto passa, contudo, não deve enganar o estudioso da Bíblia. Isso porque, na verdade, à luz da gramática grega e do ensino geral do Novo Testamento a cláusula de exceção pronunciada por Jesus só pode ser aplicada ao repúdio e não ao novo casamento. Veja-se, aliás, que os textos paralelos de Marcos 10.11-12 e Lucas 16.18 não mencionam nenhuma cláusula de exceção.


De fato, um número notável de grandes exegetas é unânime em dizer que, no texto em questão, a exceção é aplicável apenas ao divórcio, permanecendo vedado o segundo casamento, mesmo em casos de adultério.


É o que explica o doutor em línguas bíblicas Carlos Osvaldo Cardoso Pinto:


As palavras de Jesus em Mateus 19.9, conforme entendidas por todos os comentaristas cristãos até o século 16 (com a única exceção, Ambrosiastro, no século 4), declarava que recasamento depois de divórcio implica adultério para todos os envolvidos... Essa posição, menos popular e praticamente mais complexa, entende que a frase “exceto em caso de relações sexuais ilícitas” (a chamada “cláusula de exceção”) modifica apenas a frase “se um homem se divorciar de sua mulher” (o que em linguagem técnica se chama prótase (oração condicional) e não a frase seguinte, “e casar com outra comete adultério” (que os eruditos chamam de apódose (oração principal) (O Divórcio. Revista Enfoque, p. 7).


Continuando sua exposição, o professor afirma que “a gramática e a estatística do Evangelho de Mateus exigem que a cláusula de exceção se refira apenas à frase que a precede”. Daí conclui que “o sentido das palavras de Jesus em Mateus 19.9 seria, portanto: ‘O marido não pode repudiar (divorciar-se de) sua mulher a não ser que ela seja culpada de comportamento sexual ilícito.’ E mais: ‘Quem se casar depois de repudiar sua esposa comete adultério’.” Outra possível tradução para Mateus 19.9 é: “Quem se divorciar de sua mulher, o que só poderá fazer se ela for infiel, e se casar com outra comete adultério”. Note-se que essa opção conecta corretamente a famosa cláusula de exceção somente à primeira parte da hipótese — a parte referente ao divórcio.


Ao fim de toda essa discussão, alguém poderá perguntar: por que o nexo matrimonial é tão forte até o ponto de somente a morte poder quebrá-lo? A resposta a essa questão está no fato de o casamento não ser um mero contrato firmado entre duas partes, produzindo efeitos meramente naturais. Antes, o casamento tem origem divina, produzindo nexos que ultrapassam a compreensão humana.


Recorde-se mais uma vez que, segundo a Bíblia, quando duas pessoas se casam, ambas se tornam uma só carne (Gn 2.24), passando a existir um elo tão forte entre elas que a simples separação de corpos ou a distância geográfica é incapaz de quebrar. Trata-se, portanto, de um elo mais forte que o da filiação. Com efeito, todos sabem que o vínculo natural entre pais e filhos é fortíssimo, de maneira que ninguém deixa de ser filho pelo simples fato de não conviver mais com os pais. Ora, se é assim no caso do elo natural de filiação, muito mais forte deverá ser considerado o elo sobrenatural do casamento em que as partes são tidas como “uma só carne”, algo jamais dito acerca da relação pai/filho.


Vê-se, desse modo, que a ética cristã do casamento é extremamente elevada e deve ser defendida a todo custo nos dias modernos. Aliás, é significativo que João Batista, o primeiro mártir do Novo Testamento, foi preso e decapitado precisamente por defender a ética bíblica do matrimônio (Mt 14.3-12), o que deveria inspirar os cristãos modernos a se dispor mais na defesa desses mesmos valores.


Concluindo, em face de tudo que foi dito, a igreja de Deus não pode concordar com o segundo casamento de alguém cujo cônjuge ainda esteja vivo. Por isso, essa igreja não incentivará nem promoverá o casamento de pessoas nessa condição, apontando o erro de quem segue nessa direção.


Entretanto, é bom destacar que pessoas divorciadas que chegam à igreja já tendo constituído nova família não devem ser rejeitadas. Evidentemente, nesses casos não há nada que fazer senão aceitar a situação tal qual se encontra, pois seria muito prejudicial forçar a dissolução do segundo casamento e quase sempre impossível viabilizar a restauração do primeiro. Por isso, crentes nessas condições devem ser recebidos normalmente na igreja, sendo-lhes apenas vedada a ocupação de cargos de liderança ou orientação espirituais (1Tm 3.2,12).


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pr. marcos granconato

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