Liberdade de Expressão escrito por 18 de fevereiro de 2015

A cada dia que passa, este mundo se afunda mais em confusão moral, política e filosófica. Nesse último aspecto, um dos indícios do caos (pelo menos para mim) foi a forma como, recentemente, a mídia, as autoridades e as celebridades em geral passaram a usar a fórmula “liberdade de expressão”.


Sempre concebi (intuitivamente) o significado dessa fórmula como abrangendo, pelo menos em parte, o desfrute do direito de discordar de alguém — seja na esfera política, religiosa, ética ou filosófica — podendo o indivíduo expressar essa discordância de forma aberta, sem ser punido por isso. Atualmente, porém, essa definição tem de ser reelaborada a fim de abrigar novos elementos, se levarmos em conta o modo como a mídia parece entender agora a tal “liberdade de expressão”.


Notem bem: nos últimos meses, a fórmula “liberdade de expressão” se tornou frequente nos meios de comunicação e na boca das pessoas por causa do assassinato dos cartunistas do jornal satírico francês Charlie Hebdo. Os cartunistas foram fuzilados por radicais islâmicos, em represália às charges que fizeram de Maomé, uma brincadeira que ofendeu os escrúpulos dos muçulmanos.


Os desenhistas do Charlie Hebdo, diga-se de passagem, eram desrespeitosos ao extremo com qualquer religião, inclusive (e talvez de modo mais chocante) o cristianismo. Eles faziam charges blasfemas, geralmente com conteúdo moral bem baixo, sem se importar nem um pouco se estavam ferindo ou não a fé tão cara às pessoas. Ora, como o sentimento religioso é coisa com que não se brinca, quando o desrespeito daqueles desenhistas pela fé se deparou com o desrespeito dos radicais pela vida, deu no que deu: tragédia, dor e morte.


Diante disso, toda a imprensa internacional e as autoridades políticas condenaram (corretamente) o ataque, dizendo (estranhamente) que os desenhistas do Charlie Hebdo tinham direito à “liberdade de expressão”. Foi isso que, além da crueldade da chacina, me causou espanto: a forma como, a partir daqueles episódios, usaram a fórmula “liberdade de expressão”. Como eu disse, antes, essa fórmula parecia significar apenas o desfrute do direito de discordar de alguém abertamente, sem ser punido por isso. Agora, porém, o conceito se expandiu. Pelo jeito, nas cabecinhas pós-modernas, liberdade de expressão é o direito de discordar de alguém desrespeitando suas crenças, ridicularizando suas ações e ferindo seus escrúpulos sem nenhum limite moral!


O problema com essa definição, porém, é que ela não é somente absurda em seu conteúdo. Ela é absurda também no modo como é aplicada, o que exige que seja ainda mais trabalhada. Deixe-me explicar melhor: imagine que uma revista cristã publicasse uma tira ridicularizando os homossexuais. O que a mídia, as autoridades e os intelectuais iriam dizer? Acaso afirmariam que a revista cristã tinha o direito de desfrutar de sua “liberdade de expressão”? É claro que não! Nesse caso, o conceito novo não se aplicaria de jeito nenhum! No lugar dele, nós ouviríamos palavras como “homofobia”, “preconceito”, “ignorância”, “intolerância”, “fanatismo”, etc. Talvez até acusassem a revista de ser nazista, racista, fundamentalista e criminosa. Ações judiciais seriam movidas contra os cartunistas cristãos e isso tudo com a aprovação dos jornais e dos políticos. Também quem fosse visto com um exemplar daquele periódico seria discriminado ou talvez até agredido na rua.


Bom, sendo óbvio que tudo isso aconteceria (alguém duvida?), imagino que mesmo o conceito moderninho de “liberdade de expressão” tem de ser de novo ampliado, ficando ainda mais incongruente. Eu proponho o seguinte: liberdade de expressão é o direito de discordar de alguém desrespeitando suas crenças, ridicularizando suas ações e ferindo seus escrúpulos, desde que essas agressões não ofendam os interesses da mídia e dos homossexuais. Se isso ocorrer, não se falará mais em liberdade de expressão, mas sim em preconceito e ignorância.


Pronto! Agora chegamos ao conceito completo. Todos entenderam? Cartunistas que ridicularizam a Trindade são pessoas de mente aberta e têm o direito de se expressar dessa maneira. Já os cartunistas que ridicularizam o homossexualismo são preconceituosos e devem ser reprimidos.


Que grandes avanços nossa sociedade tem feito na área ética e jurídico-filosófica! Sem um referencial fixo para medir o que é certo, o padrão de justiça criado por quem tem mais poder se torna maleável e amorfo (eles podem inventar, modificar ou mesmo anular o que acham certo) e, pra piorar as coisas, esse padrão melequento é aplicável somente em alguns casos, dependendo da conveniência.


Nós, cristãos, ao contrário disso tudo, cremos que toda liberdade deve ser limitada pelo amor e pela sensibilidade ao que edifica e ao que é apropriado a um seguidor de Jesus. Paulo era livre para comer o que quisesse, mas ele disse que, se o ato de comer carne fizesse com que alguém se entristecesse, ele nunca mais botaria um bife na boca (1Co 8.13). Ele disse que os crentes são livres para fazer tudo, mas que essa liberdade deve ser vivida com sabedoria, levando o bom discípulo a fazer somente o que edifica, o que convém e o que não traz escravidão (1Co 6.12; 10.23).


Assim, a partir das Escrituras, os crentes podem formular um conceito correto, elevado e justo de “liberdade de expressão”. Vou arriscar construir um aqui: liberdade de expressão é o direito de discordar de crenças, ideias e comportamentos sem ser punido por isso, fazendo-o, no entanto, dentro dos limites do amor e da decência (o que pode até envolver o bom humor), tendo como alvo a correção, a edificação e a felicidade das pessoas.


Será que os cartunistas e seus amiguinhos querem mesmo essa liberdade?

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pr. marcos granconato 

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