Carta Para Mim Mesmo escrito por 25 de novembro de 2014

Prezado Pr. Marcos Granconato:


Eu não sou a melhor pessoa do mundo para lhe escrever uma carta. Primeiro, porque sou muito suspeito, já que, pelo que sei, sou o cara que mais gosta de você. Isso pode fazer com que eu deixe de perceber alguns dos seus defeitos. Segundo, porque sei coisas sobre você que ninguém sabe e, talvez, eu deixe vazar aqui algumas informações que deveriam permanecer em segredo. Seja como for, como você não tem lá muitas pessoas que lhe digam a verdade na cara, acho que vale a pena arriscar lhe passar algumas percepções pessoais a seu respeito.


Bem, basicamente eu estou escrevendo para dizer que está na hora de você aceitar que perdeu a briga. Refiro-me a esse desejo velho que você tem de tirar essa geração de crentes do sono para que busquem o Reino em primeiro lugar. Cara, quem está dormindo é você! E sonhando! Essa história de querer ser um “homem de fogo com língua de fogo” para derreter os corações de gelo é conversa de quem não tem a compreensão certa da realidade. Esse anseio de “ter uma voz de trovão” para despertar todos os crentes apáticos parece mais uma frase tirada das Crônicas de Nárnia (hehehe).


Que voz de trovão que nada! Sua voz é esganiçada, talvez por causa daquele problema de formação na garganta. Boa parcela dos seus ouvintes apenas suporta você, sendo que há até quem durma durante seus sermões. Voz de trovão... Quanta ingenuidade! Como você pode achar que nessa geração as pessoas vão deixar de lado a apatia espiritual por causa de um sermão ou de um artigo seu? O que você diz pra essa gente, meu amigo, tem o mesmo impacto de um peixinho que esbarra em um submarino nuclear! Ninguém nem sente! Quer que eu prove? Então vamos lá...


Você fala e escreve sobre as pessoas irem mais à igreja. Resultado: as pessoas vão menos à igreja. É só olhar para os cultos de quarta-feira. Antes, a frequência chegava a sessenta pessoas. Hoje, só quinze ou vinte participam. Pergunte para a irmã Dinah. Ela tem um caderninho em que estão anotados os números dos participantes. Peça depois para o Leandro Boer fazer um gráfico com os dados fornecidos. Você vai cair de costas com o declínio geral da frequência ao longo dos seus anos de trabalho.


Pense agora nos cultos da manhã. Eu sei que esse assunto mexe um pouco mais com você porque lhe traz recordações da infância. As manhãs ensolaradas de domingo, o disco evangélico tocando na vitrola enquanto a família toda se preparava pra ir à EBD, o encontro dos irmãos e dos coleguinhas ao longo do caminho da igreja... Tempos que não voltam mais. Bem, veja como é agora. Você tem que pedir para as pessoas virem pra frente ocupar os bancos vazios! Depois de tanto tempo nessa igreja... Dezoito anos pregando e ensinando! E os membros ainda deixam os bancos vazios!


E quanto aos “crentes do mensalão”, aqueles que vêm à igreja apenas uma vez por mês? Ah, agora eu contei o apelido que você dá a eles secretamente: o pessoal do mensalão! Você não desistiu deles ainda? Espera mesmo que se tornem intensos cooperadores? Ora, por favor...


Acorde, meu querido pastor. O tempo está passando. Você já está na casa dos cinquenta. Trinta anos de ministério já se foram. Talvez você só tenha mais duas décadas de trabalho. E isso na melhor das hipóteses! Porque não relaxa e aceita as coisas como são? Você perdeu, meu amigo, perdeu!


Lembra-se de Paulo, quando escreveu a segunda carta a Timóteo na Prisão Mamertina? Lembra-se da realidade da igreja em volta dele? Abandono, indiferença, apostasia e um horizonte cinzento pela frente. Pastor, vivemos de novo tempos assim. Você já fez a conta de quantas ovelhas suas apostataram, “amando o presente século” (2Tm 4.9)? Já notou quanta gente era intensamente assídua e agora não é mais? Desculpe, eu sei que agora essa doeu!


Sim, estamos na Era Mamertina! Não adianta nutrir ilusões. Os crentes de hoje são de gelo. Foi-se o tempo de dar a vida para o serviço do Mestre, de empregar o máximo de tempo possível no seu trabalho, no seu culto e na comunhão com seu povo. A Era Mamertina veio para ficar. Sim, você perdeu!


Mas acredite: não tenho pena nenhuma de você. Acho até que seus desejos e esforços surtiram — e têm surtido — resultados em alguma medida, graças unicamente à ação do Espírito Santo. Além disso, eu acredito mesmo naquilo que você diz sobre o despenseiro: que o que se espera dele é que seja fiel e não bem sucedido (1Co 4.2). Também acredito que seu trabalho tem atingido o alvo supremo de glorificar a Cristo. Nesse aspecto, penso sinceramente que seu ministério até tem sucesso. Se isso serve para lhe animar, então aí está.


Contudo, você precisa baixar suas expectativas em relação a um grande número de membros da sua igreja. Eles pertencem a esse novo tempo secularizado e indiferente para com as coisas de Deus. Nunca conheceram aquele clima feliz das manhãs de domingo que você viveu ao som da velha vitrola. Para eles, passear no domingo ou ficar dormindo em casa, deixando a igreja de lado, é a coisa mais comum do mundo. Fazem isso com o coração tranquilo, sem que sua consciência sequer lhes dê uma leve espetadinha.


Por isso, meu conselho é que você faça em relação aos crentes de hoje o que Paulo fez nos seus “tempos mamertinos”. Ore dizendo: “Que isto não lhes seja posto em conta!” (2Tm 4.16). Depois, peça para alguém lhe trazer uma capa para se proteger do frio e os pergaminhos para poder estudar (2Tm 4.13). Então, dê seguimento ao seu ministério ao longo dos poucos anos que ainda lhe restam.


Lembra quando você disse que quer ser um soldado que “morre atirando”?... (Como você é dramático, às vezes! Chega a ser engraçado!). Pois bem, então morra! Prossiga falando, pregando, debatendo, aconselhando, corrigindo, exortando... Enfim, continue “atirando”. Tão somente pare de se iludir e lembre-se de treinar bem sua pontaria. Isso mesmo: treine bastante. Você deve estar ciente de que os alvos vão ficar cada vez mais longe!


Deixo aqui o abraço humilde de quem lhe admira muito e acha você um cara fantástico!

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pr. Marcos Granconato

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