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25 de outubro de 2017

A Mãe Estupradora

“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino...” (1Co 13.11).


O ministério pastoral, como seria de se esperar, muitas vezes nos coloca em contato com o lado mais horrível da vida. Quando, porém, esse lado feio atinge crianças, a comoção que nos abate é bem mais forte.


Eu me formei em teologia em 1987. Desde então, nunca deixei de trabalhar com a igreja. Nesse trabalho, ouvi muitos testemunhos e vi muita coisa ruim sobrevindo a meninas e meninos indefesos. Tive contato com mulheres que, quando pequenas, foram estupradas pelo próprio pai. Algumas delas eram dominadas por uma tristeza que só o poder de Jesus poderia curar. Socorri crianças que estavam prestes a ser esfaqueadas e mortas dentro de suas casas. Dei assistência a filhos pequenos de alcoólatras que os deixavam viver ao léu, sem escola, sem cuidado, sem orientação, sem... sem nada. E quando eu testemunhava tais coisas, pensava comigo: “Como alguém pode fazer isso com um pequenino desses? Justamente a pessoa que mais deveria protegê-lo!”.


De todos os males que vi pais perversos praticarem contra seus filhos, o estupro sempre foi o que mais me chocou. E ainda me choca! Eu não consigo compreender a mente da pessoa que pratica essa insanidade; não sou capaz de discernir o impulso que a move; percebo-me aquém da capacidade de entendê-la e também aquém da capacidade de expressar toda repugnância que sinto diante de um homem que abusa sexualmente da própria filha ― o monstro inominável que faz uso até de violência e graves ameaças para violar o corpinho frágil da criança que ele mesmo gerou.


“Violar uma criança.” Pode haver crime mais horrível do que esse? Até poucas semanas atrás, eu associava essa conduta imunda apenas a marmanjos safados que agem às escondidas, ficando ainda mais enojado quando pensava no tal marmanjo sendo o pai da vítima. Agora, porém, salta aos olhos uma nova forma de violação dos pequeninos ― uma forma de violência que não atinge de pronto o corpo da criança, mas que remove dela um elemento crucial presente em seu íntimo e capaz de protegê-la de perigos enormes.


A que eu me refiro, porém, quando falo de “um elemento crucial presente em seu íntimo e capaz de protegê-la de perigos enormes”? Tenho em mente aquela barreira aparentemente instintiva que toda criança demonstra ter quando se vê diante de algo que não pertence ao seu universo. De fato, parece que há certos mecanismos psíquicos que fazem as crianças serem cautelosas com aquilo que estranham e com coisas que as confundem. Segundo entendo, esses mecanismos são bons e necessários para sua própria proteção.


Deixem-me dar um exemplo: há alguns meses, brinquei com uma garotinha de cerca de dois anos de idade que não me conhecia bem e que estava no colo de uma tia da igreja. Eu sorri para ela e fiz aqueles gracejos idiotas que a gente se pega fazendo quando está diante de uma criança fofinha. A menininha, porém, não correspondeu de pronto. Ela me olhou séria, vasculhando meu rosto estranho. Desconfiada, ela tinha ares de quem nitidamente perscrutava minha figura e meu comportamento. Certamente estava em busca de algum elemento que a ajudasse a concluir se podia ou não responder positivamente às minhas macaquices. Então, ao fim de alguns segundos, não sendo capaz de chegar a conclusão alguma, ela olhou para o seu pai que estava ali, inquirindo-o com os olhinhos negros. Era como se dissesse: “Papai, acho que há algo errado aqui. Não consigo avaliar como devo responder a ‘isso’ que vejo à minha frente. Por favor, me ajude!”. O pai, então, deu um sorriso de aprovação, mostrando que tudo estava dentro da normalidade. Ainda assim, a menininha demorou um pouco para se soltar diante das minhas brincadeiras. Eu não a culpo (e você também não a culparia se visse uma foto minha).


Notem: estou falando de uma criança de dois aninhos! A mim me parece, portanto, que o próprio Deus colocou uma barreira interna nas crianças; algo que funciona como um mecanismo de proteção contra gente ruim, um muro que serve como o primeiro obstáculo que as pessoas perversas têm de superar antes de prosseguir em suas maldades contra elas.


Pois bem. A nova forma de violar uma criança é exatamente nesse campo. Estão removendo delas essa barreira interna; estão derrubando o muro de proteção natural que elas têm. Querem uma prova assustadora disso? Bem, há algumas semanas todos viram uma mulher induzir sua filha pequena a interagir com um homem nu durante uma exposição realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ao fazer isso, aquela mãe violou a alma, o próprio coração de sua filha. De fato, aquela mãe fez desabar a única cerca interna que poderia proteger sua menina de canalhas pervertidos e construiu no lugar dessa cerca uma ponte por meio da qual todas as formas de obscenidade e perversão chegarão àquela criança, mutilando-a, desfigurando-a, explorando-a e saqueando-a ao longo da vida.


É assim que, no mundo de crescentes sujidades em que hoje vivemos, surge uma figura inesperada, jamais vista nem mesmo nos nossos piores pesadelos: a figura da mãe que violenta a alma de sua filha precisamente no campo da moral sexual; a figura da mãe que profana o coração da criança que gerou, arrancando sua cortina de proteção. Surge, enfim ― pode-se dizer ―, a figura da mãe estupradora! O que mais nos falta agora?


PS: Agradeço sinceramente ao irmão Carlos Guandalini por ter compartilhado comigo alguns insights pessoais que me ajudaram na composição deste texto.

pr. Marcos Granconato
24-out_o-remedio-do-tolo

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