“Meu filho, obedeça às minhas palavras e no íntimo guarde os meus mandamentos. Obedeça aos meus mandamentos, e você terá vida; guarde os meus ensinos como a pupila dos seus olhos. Amarre-os aos dedos; escreva-os na tábua do seu coração. Diga à sabedoria: ‘Você é minha irmã’, e chame ao entendimento seu parente; eles o manterão afastado da mulher imoral, da mulher leviana e suas palavras sedutoras” (Pv 7.1-5 NVI).
Até meus 26 anos, eu tinha a visão perfeita. Mas de lá para cá, preciso de lentes corretivas para enxergar direito, de modo que todos os anos faço visitas ao oculista. Em uma das primeiras consultas, mesmo depois de a secretária pingar um colírio em meus olhos na sala de espera, o médico pingou outro dentro do consultório. Ao final da consulta, perguntei que colírio era aquele e ele me respondeu ser um anestésico que permitia que a lente do microscópio encostasse nas minhas retinas. Depois de ouvir isso, durante seis meses eu cocei meus olhos toda vez que lembrava de que algo tinha encostado diretamente nos meus olhos. A razão é que eu tenho pânico de imaginar meus olhos sendo feridos ou mesmo tocados. Quando pesco, tenho de manter distância dos outros pescadores com medo de algum anzol atingir meus olhos. A verdade é que eu cuido tanto deles que chego, algumas vezes, a exagerar.
Lendo esse trecho de Provérbios, tenho a impressão de que não sou somente eu quem cuida dos órgãos da visão, pois Salomão, ao apelar ao filho pedindo-lhe que “obedeça às minhas palavras e no íntimo guarde os meus mandamentos”, diz a ele que “guarde os meus ensinos como a pupila dos seus olhos”. Isso significa que o filho não devia apenas ouvir as orientações do pai, mas cuidar de segui-las com todo zelo. A razão para isso é que a obediência não apenas honraria seus pais, mas também protegeria sua vida, pelo que o escritor diz: “Obedeça aos meus mandamentos e você terá vida”. Essa relação de causa e efeito tem aplicações amplas em diversas circunstâncias da vida, mas o rei sábio tem em mente um perigo específico, pelo que deseja proteger seu filho mantendo-o longe “da mulher imoral, da mulher leviana e suas palavras sedutoras” — o assunto do final do capítulo anterior é continuado aqui, ocupando todo o capítulo 7. Mais uma vez sua preocupação é que o filho se envolvesse com mulheres comprometidas, sofrendo uma vingança mortal por parte do homem traído.
Não satisfeito com a argumentação a fim de convencer seu ouvinte a obedecer a Palavra de Deus, Salomão acrescenta novas figuras didáticas e sugestivas. Uma delas vem desta ordem: “Amarre-os aos dedos; escreva-os na tábua do seu coração”. Considerar o ensino bíblico como se fosse um anel leva à mente do ouvinte a ideia de carregar tal conhecimento consigo o tempo todo e por toda parte, assim como fazem as pessoas que carregam um anel. Imaginar tal ensino escrito no próprio coração é dar a ele um caráter íntimo que torna impossível que alguém se relacione com as instruções do Senhor de modo impessoal e impassível, mas sim com ardor e paixão. Outra figura vem da ordem “diga à sabedoria: ‘Você é minha irmã’, e chame ao entendimento seu parente”. Essa relação de parentesco ilustra o tipo de apego e de intimidade que o servo de Deus deve ter com sua Palavra a fim de ficar longe do mal, que, nesse caso, vem de uma mulher sedutora que o levará a danos terríveis. Portanto, cuide dos seus olhos, mas cuide também daquilo que você vê e deseja. Para olhos míopes há lentes corretivas, mas para o pecado e suas consequências nem sempre há uma receita que resolva seus danos.