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15 de junho de 2016

Os Filhos da Aliança

Já faz algum tempo que tenho ouvido casais crentes dizendo que seus rebentos são “filhos da aliança”. Isso é meio estranho. Até porque, segundo se depreende de Atos 3.25, “filhos da aliança” é uma expressão que descreve a descendência física de Abraão, prometida por Deus na aliança que fez com esse patriarca. Mesmo assim, alguns crentes dizem que seus filhos são “filhos da aliança”. Até onde posso entender, eles dizem isso porque acreditam que seus filhos, por terem nascido num lar cristão, são, de alguma forma, beneficiados pelas alianças de Deus, com todas as suas bênçãos (mas não suas maldições!).


O texto mais usado para defender essas ideias é surpreendente. Trata-se de Atos 2.39: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar”. Lendo esse versículo, alguns pais crentes pensam que a expressão “vossos filhos” se refere aos seus bebês. Como a promessa de que fala o texto é a dádiva do Espírito Santo (e nem sempre os pais percebem isso), a implicação lógica desse raciocínio seria que o Espírito é prometido aos que nascem em lar cristão!


Por alguma razão, essa conclusão (felizmente) nunca é mencionada, mas a expectativa de que algum benefício espiritual (seja ele qual for) alcança essas crianças permanece intocado, decorrente da noção de que esse benefício decorre da aliança que os pais crentes têm com Deus.


Bem, antes de tudo é preciso dizer que as crianças que nascem de pais crentes não são filhos de aliança alguma. Esse ensino não encontra base nenhuma na Bíblia, não importa quantas montagens hermenêuticas sejam feitas. Aliás, achar que o texto de Atos 2.39 ensina isso é decorrente de uma leitura “infantil” da passagem. De fato, quando Pedro se referiu aos “vossos filhos”, ele não estava pensando nos bebezinhos (ou nos adolescentes e jovens) que, porventura, estivessem nas casas de seus ouvintes. Muito menos estava pensando nos filhos dos casais da igreja.


Para se livrar dessa noção tão ingênua, basta lembrar que Pedro estava diante de uma audiência judaica e incrédula. Ele, portanto, não citou a promessa dirigindo-se a nenhum pai crente. O que ele fez, na verdade, em seu discurso, foi lembrar os israelitas não cristãos de que as promessas reveladas a Joel e dirigidas ao povo judaico eram perenes, alcançando as gerações futuras (os “vossos filhos”) daquele povo. Ele também quis realçar que aquela promessa perene (a dádiva do Espírito) podia ter seu cumprimento alcançado de pronto, bastando que os israelitas rebeldes cressem no Cristo que haviam crucificado. Pedro, enfim, ampliou o alcance da promessa dizendo que ela era também para “todos quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (o que, infelizmente, não é o caso de todos os filhos de pais crentes).


Sei que essas considerações vão deixar muitos papais e mamães chateados e talvez até irritados. Contudo, tenho também boas notícias. A Bíblia diz que os filhos dos crentes têm privilégios sim. Não se trata de alguma bênção decorrente de serem “filhos do pacto”, mas sim do fato de Deus atuar de forma distinta nos casamentos em que um dos cônjuges é crente. O apóstolo Paulo diz: “Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos” (1Co 7.14).


Os filhos dos crentes, mesmo quando um dos pais é incrédulo, são “santos”. Paulo não tem aqui nenhum pacto em mente que sirva como base para essa bênção. A causa dela é apenas a graça de Deus que atua no consórcio conjugal quando uma das partes é cristã. Notem, contudo, o seguinte: a santidade, no NT, pode ser entendida em três sentidos. Pode ser posicional (quando se refere à posição do homem salvo diante de Deus), instrumental (quando se refere a alguma pessoa ou coisa separada para o uso do Senhor) e ética (quando se refere a algo moralmente puro). Ainda que isso esteja aberto a debates e os comentaristas não estejam de acordo nessa questão, parece que esse terceiro sentido é o que melhor se ajusta ao texto de 1Coríntios 7.


De fato, estando sob a influência, direção, súplicas e exemplo de pelos menos um genitor crente, a criança terá um modo de vida diferente das demais, adotando valores cristãos, evitando a associação com o mal e prezando pela prática de virtudes que as outras crianças, sem uma influência santa, desde cedo desprezarão.


Essa é a vantagem imediata de nascer num lar cristão. Nenhuma aliança beneficia ou é aplicada aos filhos dos crentes desde o seu nascimento. O que as beneficia é o ambiente santificador que as cerca. Nesse ambiente, elas terão oportunidades maiores de conhecer a graça de Deus e, então sim, desfrutar pela fé das bênçãos da Nova Aliança.

pr. marcos granconato 

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